segunda-feira, 11 de julho de 2011

Trechos Diversos do Livro A Chave de Casa - Tatiana Salem Levy

Pág. 51
No início eu era assim, passávamos dias seguidos sem ver a luz do dia, trancados no quarto como se tivéssemos passado a vida esperando esse momento. Esquecíamos tudo que havia do lado de fora e passávamos os dias e as noites na cama.

Pág. 65
Existe alguma coisa que a deixe feliz? Sim: andar de bicicleta de madrugada depois de fazer amor. Mas tenque que ser aquela bicicleta modelo antigo, o guidão curvo, uma cestinha pendurada. De saia rodada, o vento descobrindo as pernas. Gosto de pedalar em alta velocidade, a rua quase deserta, sem parar nos sinais vermelhos. Pegar avenidas largas, depois ruas estreitas, vielas, me perder por caminhos que não conheço. O sorriso explícito, sem mistério algum.

Pág. 70
Você me ama? Amo. Ama quanto? Ai, lá vem você de novo com essas perguntas! Responde: ama quanto? Amo muito. Mas muito quanto?


Pág. 91/92
Não sei se houve um momento específico em que as brigas começaram. Talvez elas tenham sido sempre inerentes à nós dois. Da mesma maneira que não conseguíamos viver sem o corpo um do outro, tampouco conseguíamos viver sem brigar. As vezes nos machucávamos. Quase sempre terminávamos. Quase sempre você terminava, porque eu não saberia o que fazer com o meu corpo sem o seu. Na verdade, você também não, mas fazia parte do seu teatro me mostrar que, ao contrário de mim, você podia viver bem sozinho. Então, cada vez que percebia que eu estava apegada demais, você dizia: assim não dá, precisamos de um tempo, precisamos viver cada um a sua vida. Eu me desesperava, eu berrava: mas a minha vida é a sua, a minha vida é a nossa. E durante horas continuávamos o que para um espectador seria uma encenação, mas para mim, era a própria experiência da morte. Até que chegava o momento em que, entre as palavras de ódio, surgiam palavras doces. Essas palavras doces acabavam se transformando em beijos doces(desesperados), em toques doces(desesperados), em carinhos doces(desesperados). Então fazíamos amor(code, desesperado) como nunca antes. Devor-avamo-nos como se tivéssemos acabado de nos conhecer, como se entre nós não houvesse rancores. .

Pág. 119
Quando você aproximou docemente os lábios dos meus ouvidos, sabia que me faria um pedido, por isso me afastei, estava cansada dos seus pedidos. Você disfarçou, fingiu que não tinha percebido meu gesto e tentou se aproximar novamente. Eu disse não, não quero, estou cansada dos seus pedidos. Você me apertou os pulsos, segurando-os com uma única mão. Assustada, gritei: solte-me! Você não me soltou. Com a ponta fina de um lápis que encontrou largado ao seu lado me rasgou a pele do braço. U filete de sangue escorreu, manchando o sofá onde eu estava sentada.  Berrei feito louca. Que você era um psicopata, doente mental, que batia em mulher, que eu ia a delegacia, que o odiava, tinha nojo, azia. Que você era um crápula, um animal, não era gente. Quando você me soltou, empurrei seu corpo com toda a força que encontrei e, com o indicador quase a esfregar seu rosto, dis sem sem pestanejar: da próxima vez arranco seus olhos. Os dois.

Pág. 124
Quando o rabino se aproximou com a tesoura, apontei o dedo para o coração e disse: aqui. Eu deveria, em memória do defunto, usar a blusa preta, com um corte do lado esquerdo, durante sete dias. Não sei se por medo ou fadiga, carrego ainda hoje a blusa em meu corpo.

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